quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Quando o Povo é Quem Mais Ordena.....

“Uma população que não fala não é um risco?
Aonde se oculta o diapasão da sua voz?”-
José Craveirinha

Ao momento que escrevo estas linhas, nas cidades de Maputo e Matola que na passada terça-feira viveram uma situação de “terramoto social”, já se nota uma visível acalmia e com a vida paulatinamente a regressar a normalidade. Os transportes semi-colectivos que na última quarta-feira não se fizeram as ruas começam timidamente a regressar a sua rotina de todos os dias. Contudo, o cenário não me parece ser merecedor de euforias. Vive-se um cenário que prefiro denominar de, “ paz podre”. Os transportadores estão na expectativa de ouvir do governo as possíveis saídas para que eles não se vejam obrigados a ter que aumentar o preço dos transportes semi-colectivos. Aliás, a demonstração de força feita pela população das duas referidas cidades mostra que qualquer nova tentativa de aumentar os preços dos transportes semi-colectivos de passageiros pode desembocar num cenário, provavelmente muito pior que o da passada terça-feira. Temos que nos lembrar que na quarta-feira os transportadores não saíram a ruas e, mesmo sem cenas de violência, a cidade de Maputo simplesmente parou. Em suma, o governo do dia está encurralado. Ou faz cedências que agradem os transportadores e, por via disso, aos utentes dos transportes semi-colectivos ou corre o risco de ver a sua legitimidade terrivelmente corroída.
Mas neste momento em que se vive na ressaca dos acontecimentos da passada terça-feira talvez tenhamos de procurar as razões de teremos chegado ao actual estado das coisas. Uma primeira explicação pode ser encontrada no facto de, o governo do dia, pese o facto de ter colocado como urgência da sua agenda o «combate contra a pobreza absoluta» pouco estar a fazer para que os muitos pobres absolutos que o país tem melhorem a sua condição de vida. Só isso explica que em três anos de poder, o executivo não tenha traçado uma estratégia credível para o vital sector de transportes urbanos e inter-urbanos. O executivo sempre optou por soluções experimentais que sempre mostram resultados falíveis. Experimentou-se a alternativa do comboio e também a dos autocarros movido a gás. Os factos no terreno mostram que as duas alternativas estavam longe de resolver um problema que é grave e muito sério. E no meio de tanta crise de transporte vimos o ministro a inaugurar cinco autocarros de luxo comprados pela empresa pública de transportes, a «TPM». Só quem não está empenhado em “combater a pobreza absoluta” pode se dar a tremendo luxo. E como a prioridade que o presidente Armando Guebuza tem na sua agenda é “ combater a pobreza absoluta” não parece sensato que ele mantenha no seu governo quem priorize luxos.
Mas se as manifestações da passada terça-feira tiveram com principal catalizador a subida dos preços dos transportes semi-colectivos muitos dos manifestantes não deixaram de lembrar que a cada dia que passa outros produtos vão tendo preços mais altos o que torna o custo de vida mais elevado. Por aqui pode-se depreender que há urgência de repensar toda estratégia do muito propalado “ combate contra a pobreza absoluta”. Em outro momento, em outro lugar, escrevi que no fim do seu mandato o presidente Armando Guebuza poderá ser acusado de ter combatido a pobreza absoluta de uns e de se ter esquecido de combater a mesma pobreza absoluta de outros. Já me explico; a estratégia de “combate contra a pobreza absoluta” que está a ser levada a cabo pelo executivo prioriza os distritos que recebem cada um 7milhões de Mt para vários fins. Esta estratégia parece indiciar que os “pobres absolutos” só se encontram nos distritos e todos os habitantes das cidades já venceram a pobreza absoluta e não precisam de uma atenção do governo. Mas, os factos parecem indiciar que quem na passada terça-feira levantou-se contra os preços dos transportes semi-colectivos foram os continuam a espera que o governo do dia os contemple no seu “combate contra a pobreza absoluta”, sejam eles “malfeitores ou marginais” como os chamou o vice-ministro do Interior, José Mandra. “ Malfeitores ou marginais” uma coisa é certa: nos meios urbanos há muita gente que pelas mais variadíssimas razões vê a sua condição sócio-económica a deteriorar-se a cada dia que passa ao mesmo tempo que a assiste a elite política e os seus acólitos pavoneando-se em luxo e a exibirem sinais exteriores de “riqueza absoluta”. E só os que vivem obcecados pela ideia que os moçambicanos são incapazes de se sublevar perante situações de injustiça vêm malfeitores onde estava um povo revoltado. Os acontecimentos da passada terça-feira podem ser sinal claro de que muitos moçambicanos já se cansaram de ver a bicha da vida a andar só para os que estão na linha da frente. Como também foi um aviso sério ao governo do dia que está na obrigação de mostrar de uma vez por todas que o seu “combate contra a pobreza absoluta” é assunto sério e não chavão para ser repetido pelo militantes do partido no poder mesmo quando o momento é inconveniente. Porque afinal , o povo é quem mais ordena.

Um comentário:

Luis Cezerilo disse...

Ao primeiro sinal da palavra ética o que salta à atenção comum do cidadão é um chamamento para que ele, ao ponderar o seu sentido mais frequente e ordinário, procure ascender a uma postura de vida e de comportamento que por princípio o colocaria no caminho do Bem, seja de natureza espiritual, seja um Bem para a humanidade ou, simplesmente, uma disposição por parte daquele que é qualificado com atributos ditos éticos. Esse sujeito, ao assumir um comportamento baseado nesses princípios, tenderia para o tão propalado bem comum da sociedade em que vive.
Bastaria, para isso, apenas seguir o referencial da Lei, com o ideal de igualar-se à sua pura forma e introjectar o seu paradigma universal. Mas ao mesmo tempo em que esta concepção do senso comum é compartilhada como sendo a que melhor conduz o indivíduo a um modo de vida responsável e justo, concedendo-lhe o direito a uma espécie de liberdade assistida por fora e vigiada por dentro relativa ao grau de liberdade que a própria sociedade poderia suportar sem ser ameaçada em sua constituição, instaura-se, na mesma proporção, a contraparte de um assujeitamento subtil e inaudito. O que provoca tanto o desvio quanto o desejo de se conformar com as situações na esperança de recompensas ou ganhos, ao modo moralmente útil de ser.
O modo que agrega o indivíduo ao corpo da sociedade, por meio de uma relação dicotómica de boa ou má vontade para com o corpo de leis - o qual devolve ao indivíduo o troco em forma de recompensas ou castigos -, remonta já ao nascimento do Estado. Mas não é apenas o Estado arcaico que cultiva esse tipo de código. Pertence a própria natureza do Estado esse modo de codificar seus membros pela relação de obediência e transgressão. É por isso que o Estado é um grande estimulador e reprodutor das paixões tristes, como diz Espinosa. É por medo dos castigos e esperança das recompensas que o indivíduo submete-se a um poder que o separa da sua própria capacidade de agir e pensar livremente, desejando sua própria servidão. Ainda que aquele modo se alimente - por pura crença - de investimentos subjectivos de um indivíduo habituado ao esforço quotidiano de sobrevivência, dissimulando concórdias e inviabilizando relações reais de solidariedade ou, também, por pura conveniência utilitária e objectiva de investimentos de desejo de poder nem um pouco desinteressados (ao contrário do que invoca o sujeito legislador de Kant) desvela-se assim como seu contraponto um comportamento de um tipo de vida inteiramente subserviente, tragado por um círculo vicioso, como num buraco negro, sempre realimentado pela repetição da perda da capacidade de criar as próprias condições existenciais.
É assim que tombamos. Por morder a isca dos “nossos” interesses, interesses de um “Eu”. Caímos cativos de uma moral que impõe dever a uma instância exterior como o Estado, o Bem, a Lei ou, em uma palavra, a valores de uma época que, apesar de serem criados por uma determinada sociedade historicamente formada, são publicados e estabelecidos como universais e perenes. Enfim, transcendentes ao tempo e ao espaço nos quais emergiram.
Expressos por discursos que pretendem representar e justificar os chamados “bons costumes”, auto-qualificados de científicos, cultuados como verdades em si ou formas puras do saber, esses valores bloqueiam e separam o indivíduo de sua capacidade imanente de pensar e agir por ordem própria, desqualificando os seus saberes locais e singulares como meras crenças ou opiniões e destituíndo-os de suas potencias autónomas no dizer de David Hume. É dessa maneira que indivíduos tornados fracos, por paixões de medo e esperança passam a clamar por uma ordem heterónoma que os salvaria do caos, da impotência e da miséria, tal como no exemplo extremo do nazismo. Como diz Wilhelm Reich, os alemães não foram simplesmente enganados, eles desejaram o nazismo.

Luis Cezerilo